O próximo papa será africano?
O último papa africano viveu há mais de 1,5 mil anos e o papa Francisco aumentou o percentual de cardeais eleitores no conclave. Chegou a hora de um novo papa vindo da África? Papa Francisco
Getty Images via BBC
Após o período de luto iniciado com a morte do papa Francisco em 21 de abril, cardeais de todo o mundo irão se reunir no Vaticano para o conclave que irá eleger seu sucessor.
E, se o único fator para prever de onde virá o próximo papa fosse o crescimento da Igreja Católica, ele quase certamente seria africano.
A África detém a população católica que mais cresce no mundo. O continente representa mais da metade do aumento global.
Os últimos números do Vaticano demonstram que, em 2022, cerca de 20% dos católicos do mundo viviam na África. Este índice representa um aumento de 0,32% sobre o ano anterior – o mais alto de qualquer região do planeta.
No mesmo período, o número de católicos na Europa sofreu redução de 0,08%. E, entre 1910 e 2010, a queda foi de mais de 63%, segundo o think tank (centro de pesquisa e debates) americano Pew Research Centre.
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Antes considerado o coração da Cristandade, o continente europeu, agora, passou a ser um dos mais laicos de todos.
Na América Latina, a Igreja Católica segue mantendo sua influência. Mas, em muitos países, ela vem perdendo terreno para os evangélicos.
Um estudo da organização Latinobarómetro, realizado em 18 países do continente, concluiu em 2022 que o número de pessoas que se identificam como católicas caiu de 70% em 2010 para 57% em 2020.
Considerando estes números, será que, quando os cardeais eleitores se reunirem para eleger o sucessor do papa Francisco, a origem dos candidatos irá influenciar sua decisão?
O padre católico nigeriano Stan Chu Ilo, professor da Universidade DePaul, nos Estados Unidos, acredita que sim.
"Acho que será ótimo ter um papa africano", afirma ele. Chu Ilo defende que a liderança da Igreja Católica deverá refletir melhor a composição da congregação global.
Francisco aumentou a proporção de cardeais da África subsaariana no conclave que irá eleger seu sucessor. Quando ele foi eleito, em 2013, eram 9%. E, em 2022, os cardeais africanos já compunham 12% dos eleitores.
Mas Chu Ilo acredita que isso não significa necessariamente que eles irão votar em alguém da África. Para ele, os cardeais provavelmente irão escolher um novo papa que já tenha alto perfil – "alguém que já seja uma voz influente".
"O desafio é que você não tem, hoje, nenhum clérigo sênior africano que ocupe um cargo importante no Vaticano", explica ele. "Isso representa um problema."
"Se você pensar em cardeais africanos com potencial para serem eleitos papas, qual deles tem proeminência no Catolicismo global hoje em dia? A resposta é 'ninguém'."
O padre Chu Ilo relembra que esta situação é diferente do último conclave, em 2013, quando o cardeal Peter Turkson, de Gana, foi um dos grandes favoritos para o papado. E também de 2005, quando o cardeal nigeriano Francis Arinze era um possível candidato no conclave que elegeu o papa Bento XVI.
"Como chegamos a este ponto no continente africano e na Igreja Católica é algo que surpreende a muitos de nós, considerando a abertura que o papa Francisco concedeu à África", afirma Chu Ilu.
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'Conotação de tokenismo'
Já houve pelo menos três papas africanos. O último deles foi Gelásio 1º, que morreu no ano 496, mais de 1,5 mil anos atrás.
Por isso, muitos defendem que já está mais do que na hora de vir um novo papa da África.
Mas existem católicos africanos que acreditam que está se dando importância demais à origem do próximo papa. Um deles é o padre nigeriano Paulinus Ikechukwu Odozor, professor da Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos.
"Nunca fui dos que pensam que, apenas porque você vem da África, ou porque vem da Europa, você é um dos principais candidatos", explica ele.
"Não importa de onde você vem. Quando você é eleito, as questões de todos passam a ser questões suas."
"Você tem uma preocupação, que é construir o corpo de Cristo", prossegue Odozor. "Não importa onde as pessoas estão, não importa quantas elas são, nem em qual contexto elas vivem."
Para Odozor, o mais importante é que o papa "deve ser o principal teólogo da Igreja". Ele acredita que "o papa deve ser alguém que conheça muito bem a tradição" e que consiga usar este conhecimento para orientar as pessoas.
O padre Odozor conta que, para ele, é frustrante ser questionado se o próximo papa deve ser africano "devido à conotação de tokenismo".
"É como se as pessoas dissessem: 'OK, os números dos africanos estão aumentando e, por isso, por que não damos a eles um papa?"
Na sua visão, é preciso fazer mais para garantir que as pessoas que detêm o poder no Vaticano levem mais a sério os assuntos que afetam os fiéis da África.
Para ele, às vezes parece que "é como se os africanos não importassem, ou que sua fé é observada como falsa ou um pouco inferior, não devendo ser levada a sério".
"Quando os africanos sentem que suas questões não são colocadas à mesa como deveriam, as pessoas começam a se perguntar se elas só poderão ser vistas ou ouvidas se tiverem seu próprio homem por lá", explica Odozor.
Racismo na Igreja?
Da mesma forma que o padre Chu Ilo, Odozor acredita que, mesmo com o aumento do número de cardeais africanos, o continente não detém poder real na Igreja Católica.
"Não estou desacreditando a qualidade dos cardeais nomeados pelo papa Francisco", explica ele.
Mas o padre questiona "quando você os nomeia, você concede poder a eles? Dê autoridade às pessoas que você nomear, delegue o trabalho a eles e os deixe trabalhar."
Chu Ilo e Odozor indicam uma questão que poderá prejudicar os esforços do papa Francisco para tornar a liderança da Igreja Católica mais representativa.
"Existe ainda uma questão de racismo na Igreja, sobre a qual nunca falamos" afirma Odozor. "Ela pode prejudicar alguém, não importa o quanto ele seja indicado para o papado ou o que ele faça. Ele será visto simplesmente como um papa africano."
No final de 2022, Francisco escolheu quase dois terços dos cardeais que irão nomear seu sucessor – um pouco menos do que a maioria necessária para eleger um novo papa.
Por isso, seja quem for o escolhido, existe uma boa possibilidade de que ele compartilhe a ênfase do papa Francisco de buscar os pobres e os desfavorecidos.
É uma visão que Chu Ilo chama de "primeiro, os pobres". O objetivo é criar uma "igreja que escuta, mais progressista, mais humilde". Esta é uma característica que ele gostaria de ver em quem vier a ser o próximo líder da Igreja Católica.
O elemento-surpresa
Mas existe outro fator importante que dificulta as previsões de quem será eleito o novo papa, segundo Chu Ilo.
"Os católicos acreditam que Deus, o Espírito Santo, ajuda a escolher os líderes da Igreja", ele conta.
Ou seja, pode haver uma surpresa, como ocorreu em 2013, com a eleição do papa Francisco. "Ele não era quem as pessoas estavam prevendo", afirma Chu Ilo.
Pergunto a ele o que é mais importante – que o próximo papa compartilhe a visão da Igreja do seu predecessor ou que ele seja da África.
"Eu rezarei para que Deus nos dê um papa que mantenha a visão de Francisco e para que esta pessoa venha da África", responde o padre.
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